Cinfães
do Douro: Construção de mini-hídricas
agita população de Bestança
In Jornal de Notícias 17 de Maio de 2002
Associação
teme agressão ao ambiente. Empresa defende projecto
A
anunciada construção de duas mini-hídricas
no rio Bestança, um afluente do Douro, dominará
as atenções, amanhã, na reunião
marcada para a Câmara de Cinfães. O caudal
dos protestos ameaça trazer à superfície
outros interesses.
São duas as opções de desenvolvimento
que estão em cima da mesa: de um lado, a preservação
e manutenção do eco-sistema do vale Bestança
incluído na Rede Natura 2000 e de um rio onde existem
algumas espécies protegidas, como a lontra, a papalva,
o gineto e a truta fario.
Do outro, uma empresa privada (Hidroerg, Projectos Energéticos,
Lda) que, há anos, mantém a pretensão
de construir um empreendimento destinado à captação
de águas públicas para a produção
de energia hidroeléctrica.
Um
mês de discussão
O pedido deu entrada na Direcção Regional
do Ambiente e Ordenamento do Território do Norte,
encontra-se na fase de inquérito público
e, conforme determina a legislação, será
objecto de análise e discussão durante 30
dias.
O tema, porém, provoca polémicas, preocupações
e desconfianças. «O empreendimento pressupõe
a construção de dois açudes e, se
tal acontecer, o leito do rio secará e todo o eco-sistema
irá sofrer perturbações irreversíveis.
A agricultura do vale será bastante afectada»,
lembrou Jorge Ventura, presidente da Associação
para a Defesa do Vale do Bestança.
Que não, sustentou António Leitão,
administrador da Hidrerg-Projectos Energéticos,
Lda. Em declarações ao JN, o responsável
da empresa, argumenta que o empreendimento não
irá afectar o eco-sistema, embora admita que só
após a realização de estudos aprofundados
será possível ter uma posição
mais consistente.
«Os açudes têm cerca de 2,5 metros
de altura e os impactes na paisagem são mínimos.
As queixas das pessoas não são muito adjectiváveis.
Baseiam-se mais em razões afectivas e na mera defesa
da paisagem», sublinhou António Leitão.
Alheio a sentimentalismos, mas antes, defensor dos valores
ambientais e paisagísticos, o juiz-desembargador
Fernando de Oliveira Vasconcelos discorda do projecto
e desconfia que possa ser considerado como uma mais-valia
para o concelho.
«Se a barragem seguir em frente, vão ocorrer
cheias, inundações e assistir-se-á
ao fenómeno da salinização das águas.
Todo o eco-sistema será afectado e a agricultura
do vale irá sofrer graves consequências»,
reforçou o magistrado e vice-presidente da instituição
ambientalista.
Na balança do deve e haver, a Associação
de Bestança lembra o facto dos outros empreendimentos
hidroeléctricos da região, como a barragem
do Carrapatelo, as mini-hídricas do Ardena (afluente
do rio Paiva) e do Cabrun, não terem fomentado
o apregoado desenvolvimento das suas gentes.
«Eles vêm cá, exploram os nossos recursos
naturais e patrimoniais, mas o concelho continua a sofrer
os efeitos da interioridade. Na região há
estradas onde não se pode circular», reforçou
Fernando Oliveira Vasconcelos.
Preocupações
naturais
Quem não assumiu uma posição «claramente
definida» foi a Câmara Municipal de Cinfães
do Douro. Por um lado, manifesta algumas preocupações;
por outro, espera os estudos, conclusões dos técnicos,
as reacções das populações.
O
Executivo está preocupado com a situação
e, há anos, acompanha com natural expectativa o
problema. Em princípio, a Câmara está
contra a construção de mini-hídricas
no rio, mas não fecha a porta ao empreendimento.
O projecto merece estudos aprofundados, afirmou Ademar
Sequeira de Carvalho, vereador do Ambiente da Câmara
Municipal de Cinfães do Douro.
Segundo referiu ao JN o administrador da Hidroerg, António
Leitão, o projecto já teve parecer favorável
do Instituto de Conservação da Natureza
e tem pernas para andar. "Vai beneficiar o concelho",
diz.
A associação desconfia da bondade do empreendimento
e afirma estar em causa uma paisagem única e um
rio de águas cristalinas. Amanhã, às
15 horas, o povo de Bestança começará
a discutir o seu futuro.
Levantamento
popular foi o rastilho da revolta
Há
nove anos que a Associação para
a Defesa do Vale do Bestança luta pela
preservação dos usos e costumes
do concelho e se bate contra a construção
das mini-hídricas.
Não é por obsessão, mas
antes pelo sentimento e amor às terras
dos nossos antepassados, que mantemos a luta
contra a construção das mini-hídricas.
O rio tem espécies protegidas e, como
tal, não podemos alienar o nosso património,
atalhou Jorge Ventura, presidente da estrutura
ambientalista.
Herança
Cultural
"A
associação nasceu com o levantamento
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popular
contra as mini-hídricas, em 1993. De
então para cá, temos procurado
dar o nosso contributo na defesa daquilo que
consideramos importante para o nosso futuro
colectivo. Não podemos alienar e muito
menos destruir a nossa herança patrimonial
e cultural", conclui Jorge Ventura.
Além da defesa do vale e do rio Bestança,
a associação tem desenvolvido
várias actividades relacionadas com a
defesa do ambiente e possui um site na internet
(www.bestanca.com) onde se pode ficar a saber
um pouco mais sobre o espírito do lugar
que defendem. |
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