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Associação para a Defesa do Vale do Bestança
   

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Aproveitamento hidroeléctrico de Tendais
Mini-hídricas no Vale / Rio Bestança - Cinfães

Vila de Muros, 4 de Dezembro de 2003

Assunto:

  • Aproveitamento hidroeléctrico de Tendais
  • Mini-hídricas no Vale / Rio Bestança - Cinfães
  • Ofício nº. 8630 da DRAOT – Norte de 08.08.2003

Excelência,

A Associação para a Defesa do Vale do Bestança ( ADVB ) , constitui-se legalmente por escritura pública em 22 de Junho de 1993, lavrada a fls. 53 e seguintes do livro de notas para escrituras diversas número 34-D do Cartório Notarial de Cinfães. Tem sede no lugar de Vila de Muros, freguesia de Tendais, concelho de Cinfães.

Tem como objecto social fomentar campanhas de sensibilização geral para a protecção, preservação e salvaguarda do rio Bestança e zona envolvente; inventariação de ecossistemas; inventariação das espécies piscícolas; classificação da fauna e flora circundantes ao rio; defesa do património; levantamento e recolha etnográfica.

Objectivo crucial da ADVB : impedir a implantação de mini-hídricas no rio Bestança , sustentando a sua acção e razão nos pressupostos e fundamentos seguintes:

1 - O Vale do Bestança é um sítio integrado na Rede Natura 2000 e classificado como Biótopo Corine

Quer isto significar que é uma área que, pela sua biodiversidade, mereceu a classificação maior em termos ambientais, dada por organismos comunitários. É por isso um sítio que interessa e tem valor nacional mas também reconhecido a nível comunitário.

2 - Ser o habitat perfeito da salamandra-lusitana e de outras espécies protegidas uma das quais é a lontra

A salamandra-lusitana é uma espécie de grande interesse científico, estudada a partir de meados do sé. XIX pelo zoólogo José Maria Barbosa du Bocage. Pertence a um género monoespecífico de distribuição circunscrita ao noroeste peninsular. Apresenta, além disso, uma série de características particulares que a diferenciam dentro da família SALAMANDRIDAE: fisiologia da respiração, capacidade de autonomia da cauda, captura das presas com a ajuda da língua. O estatuto de conservação em Portugal ( SNPRCN, 1990 ) e Espanha ( Blanco & González, 1992 ) é o de espécie insuficientemente conhecida. A nível da União Internacional de Conservação da Natureza é considerada como espécie de estatuto indeterminado. Esta espécie desenvolve-se no Vale do Bestança ( e em particular na área onde se prevê a implantação do aproveitamento hidroeléctrico ) já que aqui tem o seu habitat:

  • Humidade elevada;
  • Ocorrência de vegetação autóctone, composta essencialmente de folhosas e a proliferação de espécies vegetais importantes como os fetos e os musgos;
  • Abundância de locais de abrigo: manta morta de folhosas, muros que ladeiam os ribeiros, muros de sustentação de lameiros com elevado grau de humidade, pequenas concavidades, luminosidade baixa coada pela frondosidade das árvores permitindo assim uma temperatura menos sujeita à variação das condições meteorológicas;
  • Ausência de águas poluídas;
  • Intervenção humana não desfavorável: considera-se como sendo de cariz essencialmente rural, com a construção de lameiros e muros nas redondezas dos cursos de água ( Bestança e Barrondes ). Os muros de pedra que sustentam os lameiros e as condições normalmente criadas pelo tipo de cultura aí praticado constituem micro-habitats favoráveis para a salamandra lusitana ( chioglossa lusitanica ) ;
  • A derivação da água do leito do Bestança e Barrondes provocam a diminuição do caudal no leito dos rios, a falta de água que alimenta as raízes de árvores folhosas como o salgueiro, amieiros, carvalho, castanheiro, acabando por as secar e tornar o leito dos rios mais expostos, aumentando a temperatura da água e fazendo com que espécies como a salamandra deixem de ter a temperatura equilibrada e as trutas deixem de ter alimento já que as folhas das árvores que caem na água são alimento desta espécie;
  • O Vale do Bestança apresenta encostas densamente arborizadas, que reclamam grande quantidade de humidade no subsolo, apresentando uma floresta mista de carvalhos ( Quercus sp.), castanheiros (Castaena sativa ) , loureiros ( Lauris nobilis ) e algumas árvores de fruto como as nogueiras ( Juglans regia )
  • Ser também habitat da lontra ( Lutra lutra ) . Trata-se de uma espécie altamente protegida. De notar que a empresa interessada, a Hidroerg, nunca abordou a existência desta espécie. De duas uma ou não conhece a sua existência ou prudentemente omite-a.
  • Também a truta fario veria o seu habitat perturbado com o aumento da temperatura da água;
  • Aves como a águia real, o ujo, seriam igualmente perturbados no seu ecossistema pelo ruído provocado pela central;
  • Por tudo isto, se afirma que com a destruição do Vale e com a construção das mini-hídricas no rio Bestança, assistir-se-ia a um atentado ( assassinato ) ambiental irreversível de grande dimensão.

3 - A agricultura no Vale do Bestança

A prazo as terras agrícolas ribeirinhas seriam menos férteis ou até mesmo improdutivas. O gado deixaria de ter pasto. Os lavradores ficariam sem sustento e veriam a sua economia sériamente afectada. O Vale do Bestança morreria.

4 - Ter o Vale do Bestança elevado potencial turístico

A Câmara Municipal de Cinfães tem inscrito no seu Plano de Actividades uma rubrica designada por "Plano de salvaguarda do Vale do Bestança" .Este plano é incompatível com a existência de mini-hídricas. Temos no Vale do Bestança muita riqueza etnográfica ( moinhos, pontes de madeira, sítios arqueológicos ) que merecem ser valorizados; temos quedas de água que merecem ser admiradas - Fragas d'água d'Alta, Fragas de Penavilheira; Quedas do Côto; temos um Vale único com elevado potencial que deve ser aproveitado, preservado com vista a um turismo sustentável.

Não podemos perder esta riqueza natural.

A ADVB promove o turismo pedestre ( vide nosso site www.bestanca.com ) há mais de 10 anos, trazendo anualmente ao Vale do Bestança centenas de pessoas desejosas de conhecerem um dos mais bem preservados sítios do País e um dos rios mais limpos da Europa.

Dentro duma perspectiva de turismo sustentável se mais não foi feito é porque a ameaça, que pensamos ter desaparecido no dia 11.10.2002 , não nos abandona.

5 - Não ser o Bestança necessário às necessidades nacionais de energia eléctrica

Estamos conscientes de que é necessário e urgente incrementar a produção de energias renováveis - energia limpa - , participando como país para que esse objectivo seja conseguido.

Contudo, e, sem qualquer dúvida , consideramos que o aproveitamento no Rio Bestança / Ribeira de Tendais não é, necessário para cumprir os objectivos nacionais. Acresce ainda referir que o benefício seria substancialmente inferior ao prejuízo.

Sem pretender regionalizar a nossa posição, pois não é disso que se trata, não podemos deixar de lembrar que Cinfães já está há muitos anos a dar um muito expressivo contributo para a produção de energias renováveis , tendo instalados três aproveitamentos hidroeléctricos : uma barragem no rio Douro - a Barragem do Carrapatelo - e duas pequenas barragens, uma no rio Cabrum e outra no rio Ardena, bem como energia eólica.

Uma política energética não se pode resumir à destruição da nossa riqueza natural, pelo que deverá ser analisada e implementada numa perspectiva integrada.

6 - Ter o projecto apenas e só objectivos económicos e não ambientais

No site da APREN - Associação Portuguesa de Produtores Independentes de Energia Eléctrica de Fontes Renováveis, associação da qual a empresa promotora é associada é referido que : - " em nenhum outro sector, como neste e com esta magnitude, a iniciativa privada se afirma determinada a avançar com os investimentos que até 2010 se impõe fazer " - 5.000 Milhões de Euros . No caso do aproveitamento hidroeléctrico de Rio Bestança / Ribeira de Tendais, os propósitos economicistas estão bem patentes, sendo o único objectivo do promotor.

Ponto da Situação

Em fase de inquérito público a ADVB fez entrega em 18 de Junho de 2002 na DRAOT - Norte da respectiva reclamação devidamente fundamentada, a qual foi acompanhada de um abaixo-assinado contra as mini-hídricas no Bestança com mais de 2000 ( duas mil ) assinaturas e com a posição frontalmente adversa das Juntas de Freguesia de Tendais, Cinfães, Ferreiros, da Casa do Povo de Cinfães, Clube Desportivo de Cinfães, Rancho Folclórico Cantas e Cramóis Pias-Cinfães, Clube de Caça e Pesca de Travassos e Cinfães e a posição unânime da Câmara Municipal de Cinfães contra o projecto.

No passado dia 11 de Outubro de 2002, aquando da interpelação feita ao Governo na Assembleia da República pelo Senhor Deputado Miguel Anacoreta Correia , o país político ( todos os grupos parlamentares ) manifestou a sua total discordância face a tal projecto.

No Parlamento, em representação do Governo esteve V.Exª. que na circunstância e a fechar o debate disse:
" concluo, dizendo, em relação a esta questão concreta, que não há, neste momento, perspectiva de dar parecer favorável à implantação dessas mini-hídricas." (sic )

Em consequência , V.Exª. foi prontamente saudado pelos senhores deputados que tomaram parte no debate - Miguel Anacoreta Correia, Maria Eulália Teixeira, Isabel Castro e Miguel Ginestal.

Para surpresa de todos , em 8 de Agosto de 2003, passando por cima de todas estas sensibilidades e decisões , vem a DRAOT - Norte, comunicar à ADVB que :
"foi solicitado à empresa promotora do projecto - Hidroerg - um estudo de impacto ambiental. Da avaliação do estudo resultará a decisão final sobre a construção ou não da mini-hídrica no Bestança." (sic)

O ofício em questão, por imperativo legal, deveria informar de forma clara toda a tramitação processual, dando às entidades, no caso concreto à ADVB toda a informação.

O ofício quer pela forma quer pelo conteúdo, representa uma afronta à Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, à ADVB, à inteligência de todos nós - cidadãos e entidades - que de forma fundamentada se opuseram ao projecto, no âmbito do seu DIREITO DE PARTICIPAÇÃO.

" O DIREITO DE PARTICIPAÇÃO, como condição essencial de uma verdadeira democracia material, não se esgota na participação política indirecta. Exige formas de participação directa. É esse de resto o sentido do direito fundamental à participação na actividade administrativa previsto no nº. 4 do Artº 268 da CRP. Podemos afirmar que a ideia da participação directa, útil e efectiva expressa um princípio fundamental do direito do ambiente " - Guia Ambiental do Cidadão - José Cunhal Sendim .

Por tudo isto, não abdicando, enquanto cidadãos dos nossos direitos e deveres legitimados no Artº. 66º da CRP - AMBIENTE E QUALIDADE DE VIDA , estamos certos de estar a prestar um bom serviço à humanidade, pelo que, reclamamos com veemência em nome da ADVB e dos milhares de amigos do Bestança o não deferimento à pretensão da empresa promotora do projecto.

Com os melhores cumprimentos,

A Associação para a Defesa do Vale do Bestança
A Direcção

C/conhecimento:

  • Câmara Municipal de Cinfães
  • PSD - Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata
  • PS - " " " Partido Socialista
  • CDS/PP " " " Partido Popular
  • PCP - " " " Partido Comunista Português
  • BE " " " Bloco de Esquerda
  • PEV " " " Partido Ecologista "Os Verdes
  • DRAOT - Norte

Nota:
Tivemos conhecimento que o Sr. Engº. Eira Leitão, responsável da empresa promotora do projecto a Hidroerg - Projectos Energéticos, Ldª., é ao mesmo tempo secretário-geral do Conselho Nacional da Água ( CNA ) , órgão dependente do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente ( MCOTA) .