Reclamação
apresentada pela Associação contra as mini-hídricas
A
Associação para a Defesa do Vale do Bestança
enviou no dia 18 de Junho de 2002 para a Direcção
Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território
(D.R.A.O.T.) - Norte, a reclamação ao aproveitamento
hidroeléctrico de Tendais apresentado pela Hidroerg,
Projectos Enegéticos, Lda. As conclusões
apresentadas foram as seguintes:
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A construção do aproveitamento hidroeléctrico
no Rio Bestança/Ribeira de Tendais não
é, ao contrário do que afirma a requerente,
necessária às necessidades nacionais de
energia eléctrica.
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Sendo a este respeito de salientar que no concelho
de Cinfães já se situam três empreendimentos
hidroeléctricos: uma grande barragem no Rio
Douro - a barragem do Carrapatelo - e duas pequenas barragens,
uma no rio Cabrum e outra no rio Ardena, bem como energia
eólica na Serra do Montemuro.
A considerar-se que a mini-hídrica traria alguns
benefícios para o aumento da capacidade energética
nacional, tais benefícios não teriam qualquer
significado face às consequências de ordem
ambiental que a construção do A.H.T. traria
ao Vale do Bestança.
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O Vale do Bestança é um sítio
com inegável valor turístico-cultural
como a própria Câmara Municipal de Cinfães
reconheceu resolvendo inserir no seu Plano de Actividades
uma rubrica, com dotação orçamental
própria, designada por "Plano de Salvaguarda
do Bestança", que visa promover um turismo
sério, sustentável, que tem na preservação
e salvaguarda do Vale o seu ponto crucial, incompatível,
portanto, com as mini-hídricas. Não pode
o concelho de Cinfães deixar perder o único
reduto com interesse patrimonial, ambiental e turístico
que ainda lhe resta. Não pode deixar perder esta
forma de riqueza sustentável para a região,
integrada como está no Vale do Douro e "Douro"
não é apenas o rio mas também as
suas margens e seus afluentes. Toda a gente reconhece
a enorme riqueza provocada pelo turismo na Ilha da Madeira,
mormente na visita às levadas. O Vale do Bestança
também as tem. O que é preciso é
investir a sério na sua reabilitação
e promoção. Recupera-se o património
edificado e ambiental, promove-se o artesanato, prestigia-se
Cinfães com a divulgação dos seus
valores histórico-arqueológicos também.É
evidente que o surgimento do turismo sério no Vale
do Bestança e no concelho de Cinfães é
incompatível com as barragens no rio. Quem viria
ver as Fragas de Penavilheira(três sucessivas quedas
de água com altura de 10,11 e 6 metros respectivamente)
se elas não tiverem água; quem viria apreciar
a nidificação de aves nas Fragas da Arruínha
com o barulho ensurdecedor provocado pela central; e quem
faria percursos pedestres num Vale esventrado, cicatrizado
pelos canais de derivação e com os leitos
dos rios assoreados por terras e pedregulhos provindos
das obras e com um rio compartimentado com as barragens?
Ninguém, por certo.
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O Vale do Bestança está completamente natural,
não existindo nele qualquer artificialização.
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A construção de canais de derivação
a céu aberto com secção de betão
com rasto igual a 1,50 m e altura dos muros igual a 1,25
m, com uma extensão de 2,5 Km, representaria
perigo para a vida humana e animal. Além disso
logo evidenciam a quantidade de água que se pretende
transportar pouca margem se deixando pois para os caudais
ecológicos.O Bestança numa extensão
de 2,5 Km e o Barrondes numa extensão de 600 m
ficariam praticamente secos (vide o que acontece no rio
Ovil);
O açude da ribeira de Cabanas, com altura de 2,65
m não tem qualquer dispositivo para transposição
pelos peixes o que revela grande desprezo pelas espécies
(truta e lontra) que abundam no ribeiro.
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A lontra, como espécie protegida que é,
precisa da continuidade dos rios, muito afectando
o seu habitat, pondo em perigo esses mamíferos
e a compartimentação dos rios.
-Do
mesmo modo a Chioglossa lusitânica, vulgo salamandra
lusitana, é uma espécie com protecção
legal que habita o Vale do Bestança. Esta espécie,
estudada pelo zoólogo José Vicente Barbosa
du Bocage, no séc.XIX, muito veria as suas condições
de vida alteradas com a baixa do teor de humidade nas
vertentes abaixo dos canais de derivação
da água e com a diminuição dos caudais
dos rios.
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Note-se que ao contrário do que se pretende fazer
crer seriam construídas três barragens no
Vale do Bestança e três canais de derivação
da água. É pois um projecto que mudaria
radicalmente (pelas cicatrizes que provocaria, pelas movimentações
de terras, pela artificialização do meio
natural) uma paisagem natural belíssima que
constitui enorme potencial de riqueza para a região.
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A pouca humidade nas vertentes e nas margens dos rios
em virtude da sua derivação para a central
levaria ao estiolamento de espécies arbóres
que existem no Vale, sendo de realçar o castanheiro,
nogueiras, salgueiros amieiros, e uma colónia de
azevinho (espécie protegida) abaixo das Fragas
da Talisca, no Barrondes.
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A água que passasse as barragens não
chegaria para a rega permanente (note-se que se trata
de lameiros) dos campos que no Vale se pratica em regime
de torna a torna o que prejudicaria a agricultura e o
pasto para os gados. Se a empresa fosse a atender aos
caudais de rega não teria água para turbinar
(note-se que só pela Associação para
a Defesa do Vale do Bestança passaram trinta e
uma reclamação em virtude de direitos à
água para rega). Do mesmo modo, os moinhos no Bestança
e Barrondes, ainda em funcionamento, parariam.
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O Vale do Bestança está classificado com
área protegida de interesse local no Plano Director
Municipal, e está integrado na Rede Natura
2000, sendo biótopo Corine.
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Por último, quantos turistas vieram já
para visitar as mini-hídricas do Cabrum e Ardena?
O
concelho de Cinfães não pode deixar perder
um sítio como o Vale do Bestança, sob pena
de poder tornar-se um concelho sem quaisquer atractivos
e sem valores ambientais hoje cada vez mais em voga e
cada vez mais procurados. O concelho de Cinfães,
a sua Câmara Municipal, as Associações
parceiras no desenvolvimento do concelho, a Associação
para a Defesa do Vale do Bestança, têm para
o Vale uma outra política de desenvolvimento com
futuro, têm uma alternativa às mini-hídricas:
o turismo responsável, sério e sustentável,
a valorização dos aspectos ambientais. É
este o caminho.
É que como alguém dizia, um ambiente não
poluído, uma paisagem não degradada, serão
no futuro cada vez mais factores de valorização
económica e humana de um país ou região.
O ambiente tal como a arte é um excelente investimento
a prazo.
Esta reclamação foi redigida por Jorge Ventura,
Fernando Manuel Oliveira Vasconcelos e com o contributo
imprescindível de José Sampaio.
Esta reclamação foi acompanhada de um
abaixo assinado contra as mini-hídricas com mais
de 2000 assinaturas, e com a posição
frontalmente adversa das Juntas de Freguesia de Tendais,
Cinfães, Ferreiros, da Casa do Povo de Cinfães,
Clube Desportivo de Cinfães, Rancho Folclórico
Cantas e Cramóis Pias-Cinfães, Clube de
Caça e Pesca de Travassos e Cinfães e a
posição unânime da Câmara Municipal
de Cinfães contra o projecto.
Será
que se pode ignorar todas estas posições
contrárias ao projecto da Hidroerg? Será
que vão licenciar uma obra contra a vontade das
populações e autarquias e associações.
Não queremos acreditar em tal. Prevalecerá
o bom senso. Vamos crer em tal.
Gratos
a todos os que defendem o Vale do Bestança e a
todos os que nos contactaram para esse fim. Não
é só por razões de mero afecto (como
diz a Hidroerg, desvalorizando a nossa luta) que defendemos
o Vale do Bestança; é por acreditarmos que
sítios como este (pena é que nem todos o
conheçam, e mais não seria preciso argumentar)
têm de ser preservados, a bem do concelho, a bem
do país, a bem de todos.
Esperamos pois, o não deferimento da pretensão
da Hidroerg pelas autoridades responsáveis.